domingo, 30 de agosto de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor II

Ficamos muito próximos. Em um de nossos passeios ele foi um pouco longe demais e pediu um beijo. Não cedi. Ele insistiu até eu ter que pedir para ir para casa. Levou-me calado, estávamos um pouco desconfortáveis. Quando cheguei a casa, olhei nosso retrato. Deitei-me em nossa cama abraçada com seu aroma que pendia no quarto. O espaço vazio ao meu lado abriu um espaço vazio em meu coração. Eu corroia por dentro. Como eu poderia estar fazendo isso logo com você? Mesmo sem um beijo, eu traía em pensar. E mesmo sem este beijo, eu sentia algo mais forte por Daniel a cada dia.
Fiquei um semana sem dar notícias, você sabe bem o porquê. Eu não atendia ao telefone e não saía de casa. Gostava de sentir sua presença e lembrar-me de todas as coisas que sempre fizemos juntos. Tudo o que eu estava destruindo ao pensar em Daniel. Nunca olhei para outro homem antes. Mas ele tinha um quê que me atraía. Mas não era apenas atração. Ele agora me conhecia bem, mas não sabia de você, nem desconfiava. Não poderia, nunca o deixei entrar aqui. Precisava respeitar nossa casa.
Lorena convenceu-me a ligar para Daniel, mas Mariana não gostava disso, ela sempre falava de você e me lembrava quão traidora eu estava sendo. Eu não fiz nada, nada. Até uma sexta-feira em que ele apareceu de surpresa na porta de nossa casa. Não o deixei entrar, mas arrumei-me e saí para vê-lo. Tivemos uma noite cheia de sorrisos, achei que tinha se esquecido de ver-me como possível namorada, mas não. Aceitei uma dança e aconteceu. Beijamo-nos e não interrompi o beijo. Quando nos afastamos pediu-me em namoro. Eu disse não, que queria que fôssemos apenas amigos. Era mentira e ele sabia. Via que eu queria mais, mas eu negava. Saí correndo e fui para casa a pé. Não era tão longe, nem tão perto. Ele seguiu meus passos. Começou a chover e ele me alcançou. Disse o quanto esperou, que Lorena o encorajou e, por fim, disse que não conseguiria mais que ser apenas meu amigo. Não consegui segurar minhas lágrimas. Eu o desejava, não apenas desejava, ouso dizer que já o amava e queria para mim porque não poderíamos mais ficar separados. Mas eu não deveria, não poderia fazer isso. Ele ficou assustado, não sabia de nada, não sabia de você, não sabia como eu estava me sentindo naquele momento. Deu-me um abraço apertado e um beijo na testa. Beijamo-nos novamente e eu, meio incerta do que fazia, aceitei namorá-lo.
No começo achava uma idéia louca. E eu deveria esconder nosso relacionamento. Mariana desconfiava, sempre me afastava dele quando estava por perto. É confuso para mim. Eu tive momentos incríveis com ele e um dia demos um passo maior. Seria hipocrisia dizer que não era o que você está pensando, porque era. Fizemos um amor doce e com sabor de pecado. Ele disse “Eu amo você, pequena Anne”, suspirei e deitei minha cabeça em seu peito dizendo “E eu amo você, Dan”. Quando cheguei a nossa casa ele quis entrar, mas não deixei. Quando fechei a porta, vi nossa foto. Corri para o banheiro e chorei baixinho. Pensei em você. Lembrei de tudo, lembrei das nossas tentativas para eu engravidar. Chorei até meus olhos e garganta doerem.
Ele pedia constantemente para morarmos juntos. Sempre recusei. Um dia quando eu estava em sua casa eu passeava pelo quarto enquanto ele tomava banho. Encontrei uma caixinha, abri e dentro estava um anel. Gravado no anel estava “Anne & Daniel”. Meu choque foi imediato. Senti Daniel atrás de mim, virei-me e ele olhava surpreso. Quando abriu a boca, vesti minhas roupas com pressa e pedi para ir para casa. Calado e confuso, levou-me. Quando chegamos, saí do carro ele segurou minhas mãos, soltei-me e corri para dentro de nossa casa, mas não consegui evitar que ele entrasse. A primeira coisa que ele viu era meu tormento diário, nossa foto, depois viu minha aliança em cima da mesa. Ele então correu para o quarto e abriu o armário. Viu suas roupas e seus olhos encheram d’água. Tentei explicar, mas eu chorava demais e, em meio aos meus soluços, ele abriu a carteira e jogou um papel dobrado em mim. Saiu abalado e falou para não seguí-lo. Reconheci a textura do papel, era uma fotografia da exposição. Lá estava eu, ajudando-o, sorrindo e acenando. E eu consegui arruinar tudo.

sábado, 29 de agosto de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor I

Querido Bernardo,
Depois de tudo nem se deveria chamá-lo de querido. Talvez sim, mas acho injusto, afinal tem muito tempo que não ouço um “Querida Anne” seu.
A última carta que escrevi tem três anos, mas você não chegou a ler. Escrevi por causa daquela briga, nossa pior briga. Você foi realmente grosso comigo e eu disse algumas coisas que nunca deveriam ser ditas. Por aquela carta pedi desculpas sinceras, disse o quanto te amava, e ainda amo. Lorena diz que é um amor quase doentio, mas eu não ligo para o que ela diz. O motivo desta carta é uma dor muito forte que sinto. Pode chamá-la de culpa, mas não é exatamente isto. Eu preferia não ter que contar, mas fui aconselhada a isto por uma pessoa que logo irei apresentar pelas palavras duramente escritas aqui. Pretendo tirar um grande peso de meu coração.
Conheci Daniel há dois anos. Eu e sua irmã, Mariana, fomos a uma exposição. Eu estava um pouco abatida por causa de nosso relacionamento e ela queria me animar. Na exposição havia incríveis fotografias, coisas comuns tornaram-se grandiosas e todos se apaixonaram pelo trabalho do fotógrafo. E este era Daniel, ele dava aulas para o último ano da faculdade onde Mariana e Lorena estudavam. E elas esperavam a indicação para um estágio; Lorena não pôde ir, uma pena. Mariana conseguiu imediatamente um “bico”. Ficou ajudando na exposição e eu acabei me juntando a eles porque era muito trabalho para duas pessoas. Daniel foi extremamente amável conosco. Lembro de ele ter olhado minhas mãos à procura de aliança. Não encontrou. Desculpe não as estar usando, apenas pensava na minha mágoa.
A exposição durou três dias. Quase todas as fotografias foram vendidas, restaram apenas três. Elas foram distribuídas entre nós. Uma - que não estava na exposição e eu não vi - ficou com Daniel, outra ficou com Mariana e a favorita de Daniel ficou comigo.
A princípio fiquei encantada com seu jeito, mas não conseguia parar de pensar em você. Tão diferentes! Não apenas fisicamente, mas mentalmente também. A única coisa que tinha em comum foi um erro inicial de Daniel, gostar de mim. Ele pediu para sairmos, apenas nós dois. E, um pouco embaraçada, recusei. Saí apressada, Mariana despediu-se e fomos embora. No dia seguinte Lorena ligou, avisando que Mariana chamou-nos para sair à noite. Um pouco relutante, aceitei. Para minha surpresa, saímos Mariana, eu, Lorena e Daniel. Ele nos buscou de carro e fomos jantar fora. Foi estranho encontrar-me com ele depois do que houve, mas foi divertido. Começamos a sair sempre, parecíamos quatro crianças. Mas ao entrar em casa o sentimento de culpa vinha porque a primeira coisa que via ao abrir a porta era nossa foto no dia do casamento. O dia mais feliz de minha vida. Abracei a foto, respirei fundo e fiquei um pouco mais tranqüila.
Acordei pela manhã rolando para seu lado da cama para atender ao telefone. Era Daniel. Queria me encontrar para conversar. Fomos ao parque e ele estava com uma aparência abatida. Contou. Foi demitido da faculdade, Lorena e Mariana quase foram expulsas. Parece que denunciaram que ele estava assediando suas alunas. O que era uma grande mentira. Fiquei um pouco alterada, afinal isso era injusto. Muito calmo, ele disse que tentou explicar-se, mas nada adiantou. Segredou-me que seria impossível, já que quem desejava mal o olhava. Enrubesci na hora e ele percebeu. Para não complicar a situação das meninas elas pararam de sair conosco e, por um bom tempo, saíamos apenas nós dois. Conversávamos muito. Ele fazia várias perguntas e depois que percebeu que eu respondia vagamente, decidiu falar sobre si. Admito que no princípio prestei atenção, mas com o passar do tempo eu apenas conseguia notar como os lábios dele se mexiam pouco ao falar, como os olhos dele fechavam e suas covinhas apareciam quando sorria e como ele mexia as mãos quando estava nervoso ou triste.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Porque fois parte de mim e sempre serás

Dei-te todo o amor que tinha,
Mas não posso exigí-lo de volta.
Seria como esquecer-me de tudo,
Seria como esquecer-me de ti
E do amor mais doce que poderia querer.

Dei-te minha vida,
Mas não foi o bastante para ficares.
Sei que nosso tempo nos aguarda,
Sei que um dia nos veremos de novo
Por mais que demore para acontecer.

Dei-te minhas lágrimas,
Mas esta dor que rompe meu peito passará.
E se um dia eu pudesse ter a chance
De pedir algo ao Deus que levou-te,
Clamaria por teus olhos ver.

domingo, 23 de agosto de 2009

Sem título

Sua última lágrima derramada misturava-se às agitadas águas do mar. Sentiu-as a envolvendo em um eterno abraço mortal. Não pensava em agir, na verdade em nada pensava, não havia tempo. O tempo parava e a assombrava em dor, sua única ação era a de não agir. Sentia todos os sentimentos, sentia sua alma lavar, sentiu-se afogar. Não nessas águas, sentiu-se afogar em tristeza e solidão. Não havia como pedir socorro, não havia quem a socorresse, só havia conformação. Esqueceu-se que era humana, que podia errar e que tinha um coração. Coração que amava, coração que chorava e, agora, um coração que parava. Sentiu a morte beijar-lhe a face. Sentiu as águas em seu pulmão entrar. Sentiu todas as coisas no tempo de seu último pulsar.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Cheiro da Rosas

Todo dia de manhã ele sentia um cheiro gostoso quando saía de casa, era um cheiro diferente, eram rosas diferentes. Às vezes ele acordava mais cedo para ver a vizinha cuidar com tanto carinho de suas rosas coloridas. Quando o Sol a iluminava, sua pele parecia dourar, era um moreno bonito. Uma morena de olhos castanhos, cabelos castanhos, estatura média, peso médio. Completamente normal, igual a várias outras mulheres, mas ele via algo nela que não sabia explicar. Ele nunca soube dizer que a amava até o dia que acordou de manhã e não sentiu o cheiro das rosas. Ele se levantou e teve de chegar bem perto para sentir o cheiro. Era estranho, ela fazia com que o cheiros de suas rosas se espalhassem o quanto pudessem, ninguém nunca fez igual. Ela tinha uma certa doçura, uma delicadeza sem igual, mas agora ele não a via. Ela não estava ali. Mas não iria bater na porta, nem ao menos sabia seu nome. Sentiu falta dela por três dias, logo ela estava de volta. Passou-se uma semana e ela sumiu outra vez, aparecendo depois de uma semana. Ela foi sumindo e aparecendo. Um dia ele tomou coragem e foi à casa das rosas. Quem abriu foi uma linda menina, uns dez anos talvez, morena de cabelos compridos e olhos cansados. Ele perguntou pela senhora que cuidava das rosas. Então ela mandou-o entrar e esperar, não demorou muito e ela pareceu. Ela parecia cansada, sua pele morena ganhava um tom mais claro, parecia com pouca saúde, parecia que não era mais aquela de sempre. Ela sentou-se ao seu lado, olhou no fundo dos olhos e perguntou porque ele tinha demorado tanto. Então ele entendeu que ela sempre o notou e que também o amava em segredo. Ele pegou em sua mão macia, tão pequena e magra, e disse que ficaria tudo bem. "Estou aqui com você", ele disse três vezes enquanto ela chorava baixo no seu ombro. Ele olhou para a menina e compreendeu que o quanto as duas sofriam, chamou a pequena e os três se abraçaram. A pequena pedia "Calma, mamãe". Ele prometeu para ela e para si mesmo que não as abandonaria, mudou-se para a casa das rosas. Ela estava ensinando-o a cuidar delas. Maria. Maria estava ensinando, Maria era o nome dela. Ele aprendeu e agora ele sentia em si mesmo o cheiro das rosas, o cheiro da casa, o cheiro de Maria.
Maria viveu mais quatro meses. O cheiro das rosas mudou, parecia que elas estavam de luto. Não duraram muito. O cheiro das rosas viveu mais três semanas.

Kayla

Acordei com Kayla em meus braços. Ela parecia incrivelmente frágil, era tão branca e delicada. Fiquei um tempo admirando sua beleza, mas ela acordou e abriu aqueles profundos, grandiosos e tristes olhos azuis, retrubuía meu olhar encantado. Sim, ela me amava. Algumas pessoas diziam que eu deveria parar de dar tanto de mim à ela, mas Kayla estava doente e precisava de mim. Tinha medo de perdê-la. Muito medo.
Kayla esfregava a pontinha de seu nariz em minha orelha, fazendo-me rir com sua respiração ofegante. Ela estava magra e desanimada. Deixou-me de lado para enrolar-se em si mesma do outro lado da cama. Eu não podia agüentar vê-la assim. Fomos à clínica no centro. Ela foi internada, parecia que seu sofrimento não iria acabar. Ao final do segundo dia, ela roçou seu bigode em minha face, senti que sua respiração estava fraca, seu rabo não balançava mais e aqueles lindos olhos - que eu tanto amava - estavam fechando para nunca mais abrirem. Fiz carinho em sua nuca e disse que a amava, temo que ela nunca tenha escutado estas minhas últimas palavras tocarem suas orelhas, agora baixas e já sem vida. Kayla era muito mais que uma gata ou um animal de estimação. Estávamos juntos há quase onze anos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

(In)Certezas

Escrevo por escrever.
Não sei o porquê, nem conseguiria explicar.
Talvez porque goste de me esconder
Atrás de páginas sendo escritas
Por uma mão trêmula com medo de viver.
Mas talvez, apenas talvez,
Eu crie coragem e, antes de morrer,
Grite as palavras prisioneiras
De minha garganta sem voz.

Talvez eu escreva sem razão.
Sei que é mais que vaidade ou prazer,
É simples necessidade.
Escrevo porque não consigo parar.
Escrevo por escrever.