sábado, 29 de agosto de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor I

Querido Bernardo,
Depois de tudo nem se deveria chamá-lo de querido. Talvez sim, mas acho injusto, afinal tem muito tempo que não ouço um “Querida Anne” seu.
A última carta que escrevi tem três anos, mas você não chegou a ler. Escrevi por causa daquela briga, nossa pior briga. Você foi realmente grosso comigo e eu disse algumas coisas que nunca deveriam ser ditas. Por aquela carta pedi desculpas sinceras, disse o quanto te amava, e ainda amo. Lorena diz que é um amor quase doentio, mas eu não ligo para o que ela diz. O motivo desta carta é uma dor muito forte que sinto. Pode chamá-la de culpa, mas não é exatamente isto. Eu preferia não ter que contar, mas fui aconselhada a isto por uma pessoa que logo irei apresentar pelas palavras duramente escritas aqui. Pretendo tirar um grande peso de meu coração.
Conheci Daniel há dois anos. Eu e sua irmã, Mariana, fomos a uma exposição. Eu estava um pouco abatida por causa de nosso relacionamento e ela queria me animar. Na exposição havia incríveis fotografias, coisas comuns tornaram-se grandiosas e todos se apaixonaram pelo trabalho do fotógrafo. E este era Daniel, ele dava aulas para o último ano da faculdade onde Mariana e Lorena estudavam. E elas esperavam a indicação para um estágio; Lorena não pôde ir, uma pena. Mariana conseguiu imediatamente um “bico”. Ficou ajudando na exposição e eu acabei me juntando a eles porque era muito trabalho para duas pessoas. Daniel foi extremamente amável conosco. Lembro de ele ter olhado minhas mãos à procura de aliança. Não encontrou. Desculpe não as estar usando, apenas pensava na minha mágoa.
A exposição durou três dias. Quase todas as fotografias foram vendidas, restaram apenas três. Elas foram distribuídas entre nós. Uma - que não estava na exposição e eu não vi - ficou com Daniel, outra ficou com Mariana e a favorita de Daniel ficou comigo.
A princípio fiquei encantada com seu jeito, mas não conseguia parar de pensar em você. Tão diferentes! Não apenas fisicamente, mas mentalmente também. A única coisa que tinha em comum foi um erro inicial de Daniel, gostar de mim. Ele pediu para sairmos, apenas nós dois. E, um pouco embaraçada, recusei. Saí apressada, Mariana despediu-se e fomos embora. No dia seguinte Lorena ligou, avisando que Mariana chamou-nos para sair à noite. Um pouco relutante, aceitei. Para minha surpresa, saímos Mariana, eu, Lorena e Daniel. Ele nos buscou de carro e fomos jantar fora. Foi estranho encontrar-me com ele depois do que houve, mas foi divertido. Começamos a sair sempre, parecíamos quatro crianças. Mas ao entrar em casa o sentimento de culpa vinha porque a primeira coisa que via ao abrir a porta era nossa foto no dia do casamento. O dia mais feliz de minha vida. Abracei a foto, respirei fundo e fiquei um pouco mais tranqüila.
Acordei pela manhã rolando para seu lado da cama para atender ao telefone. Era Daniel. Queria me encontrar para conversar. Fomos ao parque e ele estava com uma aparência abatida. Contou. Foi demitido da faculdade, Lorena e Mariana quase foram expulsas. Parece que denunciaram que ele estava assediando suas alunas. O que era uma grande mentira. Fiquei um pouco alterada, afinal isso era injusto. Muito calmo, ele disse que tentou explicar-se, mas nada adiantou. Segredou-me que seria impossível, já que quem desejava mal o olhava. Enrubesci na hora e ele percebeu. Para não complicar a situação das meninas elas pararam de sair conosco e, por um bom tempo, saíamos apenas nós dois. Conversávamos muito. Ele fazia várias perguntas e depois que percebeu que eu respondia vagamente, decidiu falar sobre si. Admito que no princípio prestei atenção, mas com o passar do tempo eu apenas conseguia notar como os lábios dele se mexiam pouco ao falar, como os olhos dele fechavam e suas covinhas apareciam quando sorria e como ele mexia as mãos quando estava nervoso ou triste.

Nenhum comentário: