quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O eterno apaixonado

A chuva caiu;
a rua inundou;
meu barco naufragou;
meu coração afundou.
Mas sobrevivi para vê-lo ser tragado
pela força bruta daquele ralo
que o puxou antes de eu ter notado,
deixando no peito um grande buraco.

Meu amor, que fora guardado
no fundo do coração, pra ser lembrado,
também desceu pelo ralo
e lá morreu afogado.
E a água lamacenta foi-me empurrando,
e, de cabeça, caí num poço artesiano,
onde passei a noite inteira gritando,
a fim de encontrar meu coração leviano.

Quando a esperança tinha acabado,
pude ouvir, em minha direção, passos descompassados,
correndo, pela alegria tomado,
ressuscitou meu amor e voltou ao meu lado.

Por essa desventura sou chamado
para sempre de o eterno apaixonado
que, quando teve o coração roubado,
passou a noite em brados
até, do coração, estar acompanhado.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Suspiros de medo

Acordei assustada como há muito não acontecia. Suor, tremor, medo; de repente medo, medo, ondas de medo tomando conta de tudo. O medo traçava caminhos pelo meu corpo e eu conseguia senti-lo, pulsando cada vez mais forte; formava emaranhados que causavam pequenas explosões, traduzidas por um pulo do corpo sobre a cama. Senti-me fraca e impotente. Pude ver, tão de perto, a criança que sou. A mente, paralisada pelo veneno dessa cobra, apenas tremia hipotérmica.
Vi uma sombra mexendo-se. Reconheci a aranha dançando sobre a teia.
Como podia a aranha continuar tecendo sua teia enquanto o escuro avançava sobre nós ?
Desejei ser aranha para continuar tecendo a vida e enovelando qualquer vibração da teia. Subir e descer, sem medo, pelo fio, com a certeza de que o escuro na verdade é escudo e a vibração é alimento.
Mas não sou aranha.
Então, por favor, ao sair não apague a luz.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Ter-se

Gotículas no ar,
nada no lugar:
você passou por aqui.
Um par de olhos me vê,
me sente, me cheira.
Meu par de olhos retribui.
Minha intensidade é maior.

Seca como as folhas do outono,
suas gotículas me hidratam,
me transbordam.
Mas não pense você que agora me tem,
pois nem eu me tenho.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Depois do massacre a cortesia - PROTESTO

Mais uma vez fomos as cobaias do nosso lindo governo...

Ontem foi a vez do metrô. É péssimo até comentar. Eu, infelizmente, tive o infortúnio de estar naquela maldita superlotação que me lembrou bastante um curral. As pessoas foram tratadas bem pior que muitos animais - graças a Associação Protetora dos Animais -, com muitos empurrões - como de praxe -, o agravante do calor infernal da Linha 2 - prefiro não comentar - e aqueles homens (cruzes) suados, tirando as blusas dentro do vagão. Entre uma estação e outra, quem conseguisse respirar era rei.
Até quando isso vai continuar acontecendo ?
Durante a viagem - é, viagem, no sentido ruim da coisa - várias paradas, que eram explicadas pela liberação da via e a demora de São Cristóvão a Central, devido a obra da estação Cidade Nova.
Por que tiraram a baldeação do Estácio, uma estação com um porte maior, pra ser feito na Central, uma estação que não tem estrutura pra tanta gente ?
Resultado: Insatisfação.
E as pessoas reclamam, reclamam, chega a ser chato. Muitas falando até de violência, o que eu não acho a melhor opção, nós mesmos saímos prejudicados.
Cheguei na estação da Uruguaiana hoje às 07:20, e pra minha surpresa a Metrô Rio resolveu mostrar sua generosidade. "Cartão pré-pago. Cortesia da Metrô Rio" disseram dois funcionários. Nem acreditei: parei e comecei a pensar "nossa, agora ganhamos cartãozinho de cortesia... só pode ser mentira !"
Me enganei !
Tentaram comprar nossa amnésia com um cartãozinho safado com R$10,00 em passagens, o que dá só pra 3 passagens e o cartão fica com dinheiro que você não pode usar, só recarregando.

E ainda chamam de cortesia...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Arrebentação

Ela olhou-se no espelho e sentiu uma grande repulsa crescendo dentro de si. Afinal, por que esse estranho sentimento estava (ainda) impregnado ali ?
Jogou água em seu rosto. Uma, duas, três vezes: não passou. Pensou em correr. Correu, correu, correu - assim seus pensamentos estariam voltados para outro lugar - , em vão. O que conseguiu foi acabar com os pés. Então foi pro mar, jorrar toda sua dor física e psicológica. Sentiu certa familiaridade com o mar: revolto, estressado. Deixou seu rio transbordar e desaguar no mar; suas mãos caírem sobre a areia, para fundirem-se; seus pensamentos voarem livres, carregados pelo vento; mas fitava o horizonte ao longe, imaginando como aquela linha tão singela unia duas grandezas únicas

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Ondas

Eu só queria olhar para o céu e ver o Sol brilhar como antes. Eu não queria sentir essa onda gelada que agora bate em mim e me afoga. Quero um grito que ensurdeça o mundo e lágrimas que encham seu copo. Meus pulmões precisam de ar, mas há apenas água e ninguém pode me escutar. Não vejo vida em alguma parte. Qualquer sinal dela foi levado pela onda de dor que atingiu a ilha, outrora bem protegida, mas que agora está desabitada e vulnerável como uma criança, como eu. Talvez eu precise de um novo exoesqueleto ou, quem sabe, seja apenas o outono me despedaçando.




transbordando saudosismo...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Até aqui

Pra chegar até aqui,
eu precisei chorar.
Pra chegar até aqui,
eu precisei gritar, cansar, calar.

Pra chegar até aqui,
eu precisei esperar.
Pra chegar até aqui,
eu precisei visitar os meus medos.

Visitá-los, um por um,
beijá-los docemente,
abraçá-los ternamente
e caminhar ao lado deles.

Pra chegar até aqui,
eu precisei abandoná-los.
Pra chegar até aqui,
eu precisar caminhar sem olhar pra trás.

Precisei me sentir só
e, nesse momento, precisei sofrer.
Precisei mais do que nunca de uma mão,
mas, para mim, era apenas solidão.

Pra chegar até aqui,
precisei ir até o abismo,
pular de cabeça
no fundo mais profundo e obscuro.

Pra chegar até aqui,
eu precisei continuar,
precisei acreditar
e aprender a confiar.

Precisei parar,
precisei mudar,
pra chegar até aqui.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O falso preceito

Parou em frente a enorme porta de madeira. Depois de tantos anos não poderia estar tão nervosa. Mas estava. Sentia suas mãos formigarem, as extremidades gélidas. Achava graça disso pois pensou que já tivesse passado dessa fase. Encheu de ar os pulmões, colocou a mão sobre a maçaneta e girou.
Entrou. Pares e mais pares de olhos curiosos a analisavam. Sentiu-se desconfortável e correspondeu com um breve sorriso.

- Bom dia, sou nova aqui. Meu nome é Ruth e sou a professora de Religião.

Falou com todos rapidamente e então prosseguiu. Começou falando de Deus, de como ele criou o mundo e tudo nele. Falou de seu filho Jesus, de como ele é bom e como nos ama.
Um menino então interrompeu-lhe e perguntou:

- Mas, professora, se eles são tão bons assim como a senhora diz, por que então tem crianças que passam fome ?

A mulher pensou, pensou, pensou, mas não sabia como se responder aquela pergunta. Crianças não são apenas crianças, são anjos. O que teriam elas feito pra que Deus, que é tão bom e misericordioso, as deixasse sofrer tal flagelo ?
Respondeu apenas:

- Essa é uma questão para a próxima aula.

Assim, na semana seguinte, a porta abriu-se:

- Bom dia, meu nome é Paula, sou a nova professora de Religião.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Imortal

É o que eu sinto por você,
A cada abrir e fechar de olhos,
A cada lágrima ocultada
E a cada dor derramada.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Perene

Vaguei tanto tempo procurando luz enquanto tinha apenas sombra. Vi no escuro durante longo tempo. Não que não veja o escuro agora. Mas a sombra tornou-se penumbra.
Procuro algo para me apoiar...


Se oferece ?


Não. Criei meu próprio cajado e agora ninguém pode roubá-lo de mim. Rios rolavam sobre mim, tomavam todo meu corpo e encharcavam minhas roupas. Faz parte de mim, de quem sou.
O tempo passa e não vejo, apenas sinto seus efeitos. Agora tenho cicatrizes horrorosas em cada centímetro de minha pele. As pessoas olham para elas, não conseguem desviar seu olhar, como se meus ferimentos fossem incomuns. Não espero nenhum entendimento de alguma parte, deveras, não pode haver sentimento onde há frieza.



E o meu sentimento...





perene.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Narciso

No dia que você foi,
o tempo fechou.
Atrás de mim nuvens negras,
seguindo-me.
Com você se foi toda pureza.
Em seu coração, apenas inocência.
No meu, apenas dor.

O tempo passou, você não.
Sua imagem continua refletida
num espelho que eu nunca vi
e que o tempo não pode apagar.
O corpo continua a trabalhar,
mas a alma foi arrastada
para o fundo do mar
ou, quem sabe, continua a vagar
pedindo apenas paz.

Eu fui,
sem nada de você.
Você se foi,
levando tudo de mim.