quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O eterno apaixonado

A chuva caiu;
a rua inundou;
meu barco naufragou;
meu coração afundou.
Mas sobrevivi para vê-lo ser tragado
pela força bruta daquele ralo
que o puxou antes de eu ter notado,
deixando no peito um grande buraco.

Meu amor, que fora guardado
no fundo do coração, pra ser lembrado,
também desceu pelo ralo
e lá morreu afogado.
E a água lamacenta foi-me empurrando,
e, de cabeça, caí num poço artesiano,
onde passei a noite inteira gritando,
a fim de encontrar meu coração leviano.

Quando a esperança tinha acabado,
pude ouvir, em minha direção, passos descompassados,
correndo, pela alegria tomado,
ressuscitou meu amor e voltou ao meu lado.

Por essa desventura sou chamado
para sempre de o eterno apaixonado
que, quando teve o coração roubado,
passou a noite em brados
até, do coração, estar acompanhado.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Suspiros de medo

Acordei assustada como há muito não acontecia. Suor, tremor, medo; de repente medo, medo, ondas de medo tomando conta de tudo. O medo traçava caminhos pelo meu corpo e eu conseguia senti-lo, pulsando cada vez mais forte; formava emaranhados que causavam pequenas explosões, traduzidas por um pulo do corpo sobre a cama. Senti-me fraca e impotente. Pude ver, tão de perto, a criança que sou. A mente, paralisada pelo veneno dessa cobra, apenas tremia hipotérmica.
Vi uma sombra mexendo-se. Reconheci a aranha dançando sobre a teia.
Como podia a aranha continuar tecendo sua teia enquanto o escuro avançava sobre nós ?
Desejei ser aranha para continuar tecendo a vida e enovelando qualquer vibração da teia. Subir e descer, sem medo, pelo fio, com a certeza de que o escuro na verdade é escudo e a vibração é alimento.
Mas não sou aranha.
Então, por favor, ao sair não apague a luz.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Ter-se

Gotículas no ar,
nada no lugar:
você passou por aqui.
Um par de olhos me vê,
me sente, me cheira.
Meu par de olhos retribui.
Minha intensidade é maior.

Seca como as folhas do outono,
suas gotículas me hidratam,
me transbordam.
Mas não pense você que agora me tem,
pois nem eu me tenho.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Depois do massacre a cortesia - PROTESTO

Mais uma vez fomos as cobaias do nosso lindo governo...

Ontem foi a vez do metrô. É péssimo até comentar. Eu, infelizmente, tive o infortúnio de estar naquela maldita superlotação que me lembrou bastante um curral. As pessoas foram tratadas bem pior que muitos animais - graças a Associação Protetora dos Animais -, com muitos empurrões - como de praxe -, o agravante do calor infernal da Linha 2 - prefiro não comentar - e aqueles homens (cruzes) suados, tirando as blusas dentro do vagão. Entre uma estação e outra, quem conseguisse respirar era rei.
Até quando isso vai continuar acontecendo ?
Durante a viagem - é, viagem, no sentido ruim da coisa - várias paradas, que eram explicadas pela liberação da via e a demora de São Cristóvão a Central, devido a obra da estação Cidade Nova.
Por que tiraram a baldeação do Estácio, uma estação com um porte maior, pra ser feito na Central, uma estação que não tem estrutura pra tanta gente ?
Resultado: Insatisfação.
E as pessoas reclamam, reclamam, chega a ser chato. Muitas falando até de violência, o que eu não acho a melhor opção, nós mesmos saímos prejudicados.
Cheguei na estação da Uruguaiana hoje às 07:20, e pra minha surpresa a Metrô Rio resolveu mostrar sua generosidade. "Cartão pré-pago. Cortesia da Metrô Rio" disseram dois funcionários. Nem acreditei: parei e comecei a pensar "nossa, agora ganhamos cartãozinho de cortesia... só pode ser mentira !"
Me enganei !
Tentaram comprar nossa amnésia com um cartãozinho safado com R$10,00 em passagens, o que dá só pra 3 passagens e o cartão fica com dinheiro que você não pode usar, só recarregando.

E ainda chamam de cortesia...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Arrebentação

Ela olhou-se no espelho e sentiu uma grande repulsa crescendo dentro de si. Afinal, por que esse estranho sentimento estava (ainda) impregnado ali ?
Jogou água em seu rosto. Uma, duas, três vezes: não passou. Pensou em correr. Correu, correu, correu - assim seus pensamentos estariam voltados para outro lugar - , em vão. O que conseguiu foi acabar com os pés. Então foi pro mar, jorrar toda sua dor física e psicológica. Sentiu certa familiaridade com o mar: revolto, estressado. Deixou seu rio transbordar e desaguar no mar; suas mãos caírem sobre a areia, para fundirem-se; seus pensamentos voarem livres, carregados pelo vento; mas fitava o horizonte ao longe, imaginando como aquela linha tão singela unia duas grandezas únicas

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Ondas

Eu só queria olhar para o céu e ver o Sol brilhar como antes. Eu não queria sentir essa onda gelada que agora bate em mim e me afoga. Quero um grito que ensurdeça o mundo e lágrimas que encham seu copo. Meus pulmões precisam de ar, mas há apenas água e ninguém pode me escutar. Não vejo vida em alguma parte. Qualquer sinal dela foi levado pela onda de dor que atingiu a ilha, outrora bem protegida, mas que agora está desabitada e vulnerável como uma criança, como eu. Talvez eu precise de um novo exoesqueleto ou, quem sabe, seja apenas o outono me despedaçando.




transbordando saudosismo...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Até aqui

Pra chegar até aqui,
eu precisei chorar.
Pra chegar até aqui,
eu precisei gritar, cansar, calar.

Pra chegar até aqui,
eu precisei esperar.
Pra chegar até aqui,
eu precisei visitar os meus medos.

Visitá-los, um por um,
beijá-los docemente,
abraçá-los ternamente
e caminhar ao lado deles.

Pra chegar até aqui,
eu precisei abandoná-los.
Pra chegar até aqui,
eu precisar caminhar sem olhar pra trás.

Precisei me sentir só
e, nesse momento, precisei sofrer.
Precisei mais do que nunca de uma mão,
mas, para mim, era apenas solidão.

Pra chegar até aqui,
precisei ir até o abismo,
pular de cabeça
no fundo mais profundo e obscuro.

Pra chegar até aqui,
eu precisei continuar,
precisei acreditar
e aprender a confiar.

Precisei parar,
precisei mudar,
pra chegar até aqui.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O falso preceito

Parou em frente a enorme porta de madeira. Depois de tantos anos não poderia estar tão nervosa. Mas estava. Sentia suas mãos formigarem, as extremidades gélidas. Achava graça disso pois pensou que já tivesse passado dessa fase. Encheu de ar os pulmões, colocou a mão sobre a maçaneta e girou.
Entrou. Pares e mais pares de olhos curiosos a analisavam. Sentiu-se desconfortável e correspondeu com um breve sorriso.

- Bom dia, sou nova aqui. Meu nome é Ruth e sou a professora de Religião.

Falou com todos rapidamente e então prosseguiu. Começou falando de Deus, de como ele criou o mundo e tudo nele. Falou de seu filho Jesus, de como ele é bom e como nos ama.
Um menino então interrompeu-lhe e perguntou:

- Mas, professora, se eles são tão bons assim como a senhora diz, por que então tem crianças que passam fome ?

A mulher pensou, pensou, pensou, mas não sabia como se responder aquela pergunta. Crianças não são apenas crianças, são anjos. O que teriam elas feito pra que Deus, que é tão bom e misericordioso, as deixasse sofrer tal flagelo ?
Respondeu apenas:

- Essa é uma questão para a próxima aula.

Assim, na semana seguinte, a porta abriu-se:

- Bom dia, meu nome é Paula, sou a nova professora de Religião.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Imortal

É o que eu sinto por você,
A cada abrir e fechar de olhos,
A cada lágrima ocultada
E a cada dor derramada.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Perene

Vaguei tanto tempo procurando luz enquanto tinha apenas sombra. Vi no escuro durante longo tempo. Não que não veja o escuro agora. Mas a sombra tornou-se penumbra.
Procuro algo para me apoiar...


Se oferece ?


Não. Criei meu próprio cajado e agora ninguém pode roubá-lo de mim. Rios rolavam sobre mim, tomavam todo meu corpo e encharcavam minhas roupas. Faz parte de mim, de quem sou.
O tempo passa e não vejo, apenas sinto seus efeitos. Agora tenho cicatrizes horrorosas em cada centímetro de minha pele. As pessoas olham para elas, não conseguem desviar seu olhar, como se meus ferimentos fossem incomuns. Não espero nenhum entendimento de alguma parte, deveras, não pode haver sentimento onde há frieza.



E o meu sentimento...





perene.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Narciso

No dia que você foi,
o tempo fechou.
Atrás de mim nuvens negras,
seguindo-me.
Com você se foi toda pureza.
Em seu coração, apenas inocência.
No meu, apenas dor.

O tempo passou, você não.
Sua imagem continua refletida
num espelho que eu nunca vi
e que o tempo não pode apagar.
O corpo continua a trabalhar,
mas a alma foi arrastada
para o fundo do mar
ou, quem sabe, continua a vagar
pedindo apenas paz.

Eu fui,
sem nada de você.
Você se foi,
levando tudo de mim.

sábado, 28 de novembro de 2009

Felicidade relativa

Perdi meu quê,
o que eu tinha de bom.
Mas, agora vou devagar,
colhendo grão por grão,
de flor em flor,
montando o que fui
e o que agora sou,
fazendo de mim nova,
desenhando meu novo eu.

Não sou completa,
mas cheguei a uma conclusão:
ser completa é relativo !
Eu posso só sentir metade,
mas, por quê gritar ?
Eu posso sentir !

Mas aí, quando a porta bater
e a felicidade se for,
estranhamente sentirei o nada,
que, como um amante traído,
volta enfurecido
e se reflete em mim.

É, ser completa é relativo...
e ser feliz também !

terça-feira, 24 de novembro de 2009

~

Acreditava que lágrimas eram apenas lágrimas,
rios que nasciam nos olhos e corriam nossa pele.
Às vezes desaguavam em bocas e narizes,
por todo o nosso corpo, ou até mesmo em outro.

Mas, não, eu estava enganada.
Lágrimas são lâminas afiadas,
cortam sem nem ao menos percebermos.
Cortam profunda e constantemente.

E estou completamente marcada.



*Precisa-se de um título

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Trem do desamor

Meu amor foi embora.
Pegou o trem e partiu.
Virou as costas,
não olhou pra trás.
Meu amor se foi
sem arrumar as malas,
suas roupas foram queimadas,
deixando em cinzas nosso amor.
Ele se foi,
sem dizer alguma palavra,
e eu que era toda,
fiquei assim, um nada.
Foi...
outro amor agora o espera
n'outra estação.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O desejo

Eu quero toda dor,
eu quero de volta.
Eu não falo pra ninguém,
eu não escrevo pra ninguém,
eu só tenho uma amiga: solidão.
Eu posso agora morrer,
ninguém vai perceber.
Em meu túmulo não haverão flores,
apenas ervas-daninhas crescendo em volta.
Meu eu se foi,
restou-me um corpo fraco,
um rosto pálido e um desejo.
Eu tenho andado por aí,
de mãos dadas com o escuro
e tenho um desejo puro:
corte-me, faça-me sangrar.
Deito e levanto,
não passou,
não passa,
não passará.
Finja que lembra de mim,
finja que sabe quem sou,
faça tudo acabar,
talvez assim eu goste de você.

sábado, 31 de outubro de 2009

Prisão

Hoje
me sinto diferente
de ontem.
Penso nisso
e no amanhã
que se esconde
por entre sonhos pisados,
esmagados pelo gigante desconfiante
que se apoderou de mim
no instante em que eu era feliz.
Por entre tijolos quebrados
do meu muro estilhaçado,
vejo a vida passar
enquanto assisto acorrentado
pensando numa forma de escapar.
E o gigante ri
da minha falta de sorte,
dizendo que não sou forte
me deixando apenas
com míseros versos tortos
que, como eu, estão por acabar.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Para Sempre II

Domingo houve um certo cochicho na vizinhança sobre a família de Luiza e Alan estava ficando preocupado porque ela não saía de casa. O pai dele esbravejava em casa, chamava o pai da menina de pilantra, cafajeste e ameaçou caçá-lo com uma arma que tem escondida em casa. Escondida é um modo de dizer, até os vizinhos sabiam onde estava a arma. O menino tomou toda a coragem que pouco tinha e bateu três vezes na porta. Foram batidas suaves, como se ele quisesse que não ouvissem. A mãe de Luiza abriu a porta, ela estava com um olhar triste e preocupado. Ele disse tímido que estava preocupado com Luiza e que foi levar a matéria da semana, essa era uma boa desculpa porque as amigas de Luiza eram do colégio do outro lado do bairro e ela não tinha muitos amigos no colégio deles. A mulher deixou-o entrar avisando que teria que ser rápido, ele entendeu as entrelinhas, o marido não estava em casa, e deveria ser por pouco tempo. Ela levou-o até o quarto e deixou-os sós.
Luiza estava sentada no chão acariciando um ursinho bege todo peludo. Ele sentou do lado da menina, ela encostou a cabeça em seu ombro. Com um mão ele encostou no ombro dela, sentiu ela gemer um pouco. Era dor. Ele entregou o caderno com anotações da semana, olhou no fundo de olhos cansados e beijou-lhe a testa. Ela tinha marcas na perna, ele viu quando ela levantou para colocar o ursinho e cima da cama, eram marcas roxas, intensas. Quando as viu seu coração apertou e ele teve vontade de concordar com o seu pai quanto ao de Luiza, ele era um monstro. Conversaram um pouco, ela perguntou sobre a escola. Estava com uma voz fraca, ele se sentia horrível por não ter visitado a menina antes, parecia que a culpa era dele. E enquanto se culpava, ele ouviu a porta bater com força. Depois ouviu um grito baixo de mulher. Luiza arregalou os olhos, o pai chegou em casa. Ela fechou a porta do quarto e pediu para ele sair pela janela. Tinha medo nos olhos, ela tremia e estava quase chorando. Ele chegou perto dela e disse que não iria embora. Uma batida forte na porta os amedrontou. O pai dela gritava para abrir a porta, dizia:
- Eu sei que tem um rapaz aí dentro, sua vadia. Abra essa porra dessa porta!
Ele gritava e batia com força na porta. Tentou arrombar. Alan e Luiza tentavam segurar, mas na segunda tentativa eles foram ao chão. O homem tinha ódio nos olhos, por um momento ele lembrou da mãe da menina, ela estava lá embaixo e ele não sabia o quê tinha acontecido com ela. Segurou Alan pelo braço e o jogou para trás com força, agora seu objetivo era a filha. A própria filha, ela estava tremendo de medo. Fechou os olhos com força como se soubesse o quê iria vir. Ele agarrou-a pelo cabelo e jogou-a contra o chão, fez isso duas vezes, o nariz de Luiza já estava sangrando. Alan estava paralisado, tinha medo, estava assustado, tinha medo de agir sem pensar, mas ele tinha que fazer alguma coisa. E ele fez antes do homem acertar a menina pela terceira vez.
A mãe de Alan tinha ido à padaria comprar pão, um pouco de queijo e presunto. Quando passou na frente da casa de Luiza, parou e pensou na menina e na mãe, queria que o sofrimento delas acabasse. E quando virou-se ouviu um disparo. Um, dois, três. Três disparos, vieram de dentro da casa. Ela gritou, o filho dela estava lá dentro. O entregador que passava por ali também ouviu os tiros, juntou dois homens e entraram na casa. A mãe de Luiza estava desmaiada no chão, só desmaiada, mas sangrava na cabeça. Ligaram para uma ambulância. Correram para os quartos e ao chegar no de Luiza encontraram a menina também desmaiada e nos braços de Alan. Ele chorava e a apertava com força. A arma do pai de Alan estava nos pés do menino e o pai dela levou dois tiros, um no estômado e outro à altura do pulmão, estava morto, um dos disparos acertou o espelho e haviam vários cacos no chão. Alan segurava Luiza com força e dizia baixinho que tudo ficaria bem, que ela agora não precisava mais chorar, que ele estaria para sempre a protegendo. Para sempre.

Para Sempre I

Foi uma semana fria. Luiza passou as tardes em casa debaixo de um cobertor e tomando chocolate quente com as amigas. Era raro ela sair de casa, seu pai não gostava muito. Suas amigas tinham que ir embora antes que ele chegasse, foram às cinco horas, mais ou menos. Mas naquele dia elas poderiam ter ficado por mais tempo, o homem demorou a chegar.
Do outro lado rua Alan tomava coragem e ia em direção à casa de Luiza, mas ele fazia isso todos os dias e sempre voltava. Assim como todos por ali, ele tinha um tremendo medo do pai da menina. Todos sabiam que ele maltratava as duas, quando era menor haviam boatos que ele abusava da filha, nada confirmado. O que era confirmado é que às vezes ela chegava na escola com algumas marcas roxas. Ele sempre teve vontade de oferecer ajuda, um ombro amigo, mas ela já tinha muitas amigas. Voltou a se concentrar em Luiza, em ir na casa dela, quando estava no jardim a porta da casa se abriu e ele viu o rosto preocupado da menina surgindo. Ele parou um instante e quis sumir, mas era tarde ela viu e foi aproximando-se devagar. Imaginou andando até ela, dando um suave beijo enquanto com uma mãe segurava a cintura e com a outra acariciava a pele branca e macia do rosto de Luiza.
- O que faz por aqui, Alan?
Ela tomou-o de surpresa, estava ocupado imaginando e não viu o quão perto ela estava.
- E-eu? Só passeando um pouco. Acho seu jardim bonito.
Luiza olhou intrigada, depois olhou para todos os outros jardim com flores bonitas e para seu próprio, de grama alta e com algumas folhas que o vento traz.
- Existem desculpas melhores. Quer ir para a varanda? Está frio. - Ela falava sorrindo, com um olhar esperto e doce - Ande, - puxou-o pela mão - você não me sai daqui até arranjar uma desculpa melhor.
Ela tentou arrancar alguma coisa dele e o tempo passava, estava ficando tarde e o rapaz via que ela agora tinha um olhar apreensivo. Ele conhece aquele olhar, ela devia estar com medo do pai chegar e pensar outras coisas. A mãe dela também estava e às nove horas mandou a menina entrar. Despediram-se com beijinhos no rosto. Ele ficou vermelho, esperava que ela não reparasse. E ela não reparou. A verdade é que Luiza era a única que não sabia que Alan gostava dela. Todos sabiam, ele gostava desde pequeno. Ele eram namoradinhos aos 3 anos, aquele namorico de escolinha de dar a mão e ficar rindo como se estivessem aprontando. Ele preferiria que isso nunca tivesse mudado. Queria que seu primeiro beijo fosse com ela, queria que sua primeira vez fosse com ela, mas não foram. Foram com uma menina mais velha, ele morria de vergonha. Qualquer outro gostaria de se gabar, mas ele tinha vergonha.
No outro dia o frio continuou e ainda mais forte. Luiza não foi para a escola. Alan pensou em ir na casa dela para ver se ela estava bem, mas não foi. E não foi por mais a semana que ela faltou. A semana tinha acabado e ninguém sabia de Luiza, Alan quis tomar coragem mas não conseguia. Passou o sábado se martirizando por não ter ido procurá-la. Eles não eram tão amigos, mas cresceram juntos. Sabia que ela sentia algum carinho por ele, carinho de amigo, ele nunca acreditou que um dia ela pudesse olhar para ele como um namorado.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Efeito

Ainda falta.
Tempo,
espaço,
alguma parte.

Mas agora você pode responder:
Afinal, o que sou ?
Matéria viva e morta,
sentimentos e versos.

Esse caos vive em mim,
transforma o momento que sou.
Tudo volta a ser nada
e descubro que não sou apenas eu.

Giro e danço e canso e caio,
saio de mim e vago,
volto, mas não sinto.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Não-Amor

Toma-me como o ar mais puro:
Inspire,
Respire.

Toma-me como seu vício:
Bebe,
Trague.

Toma-me por sua luxúria:
Respire,
Transpire.

Mas não me tome por seu amor:
Não me deixe,
Não me esqueça,
Não me mate!

Por favor.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Início

Envolva-me e me faça ser,
fazer, dizer e querer.
Faça do agora o sempre,
torne-se tudo em mim.

Como um traidor, me use;
Como amante, me ame;
Em minhas caídas me segure.
Faça de mim você.

Seja meu complemento,
não seja meu oposto,
esteja disposto, 
pois também posso ser veneno.

Mas, não se irrite,
sou escuro, sou vento, sou tempo.
Inconstante.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor IV

Contei como conheci você, Bernardo. Como estávamos apaixonados, casamos e finalmente conseguimos nossa casa. Brigávamos muito, mas isso já era normal, tirando a última discussão. E nela gaguejei para contar. Você gritava comigo, eu tinha vontade de jogar as coisas no chão, desejei que você morresse e... Não consigo conter minhas lágrimas, perdoe-me. E você saiu. Parei de falar e Daniel pediu para continuar, continuei com as forças que restavam. Entrou no carro e quando estava pronto para ir embora entrei nele. Discutimos ali mesmo, dei-lhe um tapa, perdão por isso; você ligou o carro e ignorava-me enquanto dirigia. Gritei com você, chorei e pedi novamente para que você morresse. Céus, onde eu estava com a cabeça quando pedi tal coisa? Enquanto eu contava, solucei e pus-me a chorar. Daniel segurou minha mão e disse que estava ao meu lado. Olhava-me com ternura e pediu para que continuasse.
Quase não consegui, tremi e minha voz falhava ao explicar que um caminhão avançou o sinal e parecia não parar. Vinha em nossa direção, na direção do carona, que era onde eu estava. Você virou o carro bruscamente e, apesar de todas as coisas horríveis ditas naquele dia, em uma última prova de amor salvou minha vida. Mas eu preferia que não fosse assim, não sabia que por minha vida você pagaria com a sua. Desabei. Contei a Daniel como senti que fui culpada, como você era importante e ainda é. Como me senti quando o conheci, em nosso primeiro beijo e em nossa primeira noite. Abraçou-me e fez-me parar de chorar. Sentia falta disso, de alguém que pudesse fazer-me parar de chorar, alguém que ficasse ao meu lado e me amasse. Alguém como você, alguém como Daniel. Acabei por contar que naquela semana que não dei notícias porque fazia dois anos que você havia partido de minha vida. Daniel pediu perdão, disse que nunca deveria julgar-me e com a mão sobre minha barriga, deu-me um beijo e disse em meu ouvido que no próximo ano ele estaria comigo para conhecer você. Oh, Bernardo! Senti tanta felicidade que não coube em mim. Só pude agradecer a Lorena e contei com apoio de Mariana. Tudo estava dando certo, finalmente.
Hoje estou terminando de escrever esta carta ao seu lado, o cheiro de flores ainda incomoda. Sei que não terei resposta. Quero apenas saber que contei tudo a você. Daniel está lá fora, pedi privacidade enquanto escrevia esta carta. Foi duro lembrar-me de tudo. Sobre a gravidez, é uma linda menina. Atrevo-me a dizer que parece com você. Tem menos de um ano e é muito esperta, demos-lhe o nome de Bianca. Agora ela está na casa de Mariana descansando.
Acho que devo terminar esta carta aqui. Agora tenho que partir. Aquela nossa foto terá uma companheira, as fotos de meu casamento com Daniel estão prontas. Mas não é porque casei que tudo o que você foi para mim será perdido no tempo. Tive sorte de conhecer alguém que não tenha ciúmes deste imenso carinho que sinto por você.


Para sempre sua,
Anne.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Limites

Eu quero que você venha e me desafogue dessa maré de palavras e gritos, quero que você me salve do mundo. Estão todos loucos ! Minhas partes fugiram e não as encontro. Preciso de você para me por o começo e o fim.
Em meio a essa bagunça, me espalho, como a água que agora desce pelo chão a procura de uma barreira para conter seu avanço. Contenha-me ! Faça-me por ordem e ser ordem.
Con-fu-são.
Faça-me sorrir !

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Ausência

Lembro do dia que fui. Fui, não mais sou. Pudera eu retornar àquele estado em que tudo era completo e o nada era tudo. Mas não consigo entender como o tudo se tornou ausência. Ausência que dói, corrói e destrói, como o vento em mim, retirando cada grão, um por um, até eu não ser mais matéria, ser um pouco de tudo e tudo ser um pouco de mim.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor III

Tentei contar para você, mas não tive coragem. Sentei e comecei a chorar. Ficar ao seu lado não era tão fácil. Aquele cheiro de flores incomodava um pouco. Não contei e chorei bastante. Você não me abraçou para eu parar e chorei ainda mais.
Fiquei quase um mês sem vê-lo. Era horrível lembrar-me de tudo. Contei para Lorena e Mariana. Sua irmã pareceu ficar desapontada, mas engoliu e conversamos. Elas ajudaram muito. Principalmente quando descobri que estava grávida. Chorei por dias e elas estavam ao meu lado me consolando, mas às vezes Mariana brigava comigo. Um dia discutimos e ela gritava dizendo que eu não te amava ou respeitava, pedi perdão e tentei dizer que nunca planejei isso, eu só queria ficar ao seu lado para sempre, mas... Mariana não compreendia, pediu para que eu saísse, Lorena tentou conversar, foi tão maltratada quanto eu.
Fiz o que pude para reaproximar-se de Mariana, ela evitava encontros e a cada dia que passava parecia odiar-me ainda mais. Tentei novamente conversar, fui até a casa de sua irmã, recebi xingamentos, uma bofetada no lado direito de meu rosto e vi uma de minhas melhores amigas chorar como uma criança. Abraçamo-nos. Ela ainda não havia perdoado, mas começava a entender.
Já não via Daniel há quase dois meses e minha barriga ainda não aparecia. Eu estava no mercado quando o vi. Nossos olhos encontraram-se, mas ele não tinha aquele olhar doce e apaixonado, em seu lugar havia um olhar vazio. Meus olhos encheram d’água e sei que percebeu. No momento que dei um passo em sua direção, ele virou-se e foi embora. Meu coração ficou em minhas mãos, o que eu havia escondido não tinha perdão. Ele tinha ódio e eu não o culpava. Afinal, machuquei muitas pessoas com esse relacionamento. Naquela semana não consegui parar de pensar em nosso encontro e em uma manhã recebi uma ligação. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar, era Daniel. Pediu para encontrá-lo no parque de sempre depois do almoço, aceitei em estado de euforia. Meus olhos brilhavam e pensei que as coisas poderiam se resolver. Mas ao mesmo tempo, pensei que poderia ser o fim. Para sempre.
Cheguei ao lugar e ele estava sentado na grama, sentei-me ao seu lado então me olhou profundamente e suspirou. Houve um breve silêncio e este foi quebrado quando ele contou que recebera uma ligação no dia anterior. Lorena ligou dizendo que eu estava grávida e que apenas eu poderia explicar tudo. Minha cabeça estava baixa, quando a levantei vi seus olhos cansados, suas olheiras e todo o seu aspecto triste. Em pensar que eu havia causado isso tudo e, quando era para ele superar tudo o que houve Lorena o destruiu mais um pouco. Começou a falar baixinho que o filho era de meu marido; quando desmenti, ele falou um pouco mais alto. Enquanto eu negava, ele aumentava o tom de voz, então gritou. Desabafou, tirou toda aquela raiva acumulada de dentro de si, xingou-me, chegou ao ponto de quase esbofetear-me e chorou. Eu nunca o tinha visto chorar. Ele sempre pareceu forte e quando eu estava triste, era dele o ombro amigo em que eu chorava. Naquele dia inverteram-se os papéis, fui a consoladora – apesar de,ao mesmo tempo, ser a causadora de toda esta dor. Pedi para acalmar-se porque tudo aquilo, todas as coisas que o faziam ter esta raiva tinham explicação. Pediu-me para eu explicar tudo, disse que seu coração já estava partido e que nada mais poderia machucá-lo. Engoli seco, comecei a falar sabendo que ele talvez duvidasse de cada palavra, apesar de serem todas verdadeiras.

domingo, 30 de agosto de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor II

Ficamos muito próximos. Em um de nossos passeios ele foi um pouco longe demais e pediu um beijo. Não cedi. Ele insistiu até eu ter que pedir para ir para casa. Levou-me calado, estávamos um pouco desconfortáveis. Quando cheguei a casa, olhei nosso retrato. Deitei-me em nossa cama abraçada com seu aroma que pendia no quarto. O espaço vazio ao meu lado abriu um espaço vazio em meu coração. Eu corroia por dentro. Como eu poderia estar fazendo isso logo com você? Mesmo sem um beijo, eu traía em pensar. E mesmo sem este beijo, eu sentia algo mais forte por Daniel a cada dia.
Fiquei um semana sem dar notícias, você sabe bem o porquê. Eu não atendia ao telefone e não saía de casa. Gostava de sentir sua presença e lembrar-me de todas as coisas que sempre fizemos juntos. Tudo o que eu estava destruindo ao pensar em Daniel. Nunca olhei para outro homem antes. Mas ele tinha um quê que me atraía. Mas não era apenas atração. Ele agora me conhecia bem, mas não sabia de você, nem desconfiava. Não poderia, nunca o deixei entrar aqui. Precisava respeitar nossa casa.
Lorena convenceu-me a ligar para Daniel, mas Mariana não gostava disso, ela sempre falava de você e me lembrava quão traidora eu estava sendo. Eu não fiz nada, nada. Até uma sexta-feira em que ele apareceu de surpresa na porta de nossa casa. Não o deixei entrar, mas arrumei-me e saí para vê-lo. Tivemos uma noite cheia de sorrisos, achei que tinha se esquecido de ver-me como possível namorada, mas não. Aceitei uma dança e aconteceu. Beijamo-nos e não interrompi o beijo. Quando nos afastamos pediu-me em namoro. Eu disse não, que queria que fôssemos apenas amigos. Era mentira e ele sabia. Via que eu queria mais, mas eu negava. Saí correndo e fui para casa a pé. Não era tão longe, nem tão perto. Ele seguiu meus passos. Começou a chover e ele me alcançou. Disse o quanto esperou, que Lorena o encorajou e, por fim, disse que não conseguiria mais que ser apenas meu amigo. Não consegui segurar minhas lágrimas. Eu o desejava, não apenas desejava, ouso dizer que já o amava e queria para mim porque não poderíamos mais ficar separados. Mas eu não deveria, não poderia fazer isso. Ele ficou assustado, não sabia de nada, não sabia de você, não sabia como eu estava me sentindo naquele momento. Deu-me um abraço apertado e um beijo na testa. Beijamo-nos novamente e eu, meio incerta do que fazia, aceitei namorá-lo.
No começo achava uma idéia louca. E eu deveria esconder nosso relacionamento. Mariana desconfiava, sempre me afastava dele quando estava por perto. É confuso para mim. Eu tive momentos incríveis com ele e um dia demos um passo maior. Seria hipocrisia dizer que não era o que você está pensando, porque era. Fizemos um amor doce e com sabor de pecado. Ele disse “Eu amo você, pequena Anne”, suspirei e deitei minha cabeça em seu peito dizendo “E eu amo você, Dan”. Quando cheguei a nossa casa ele quis entrar, mas não deixei. Quando fechei a porta, vi nossa foto. Corri para o banheiro e chorei baixinho. Pensei em você. Lembrei de tudo, lembrei das nossas tentativas para eu engravidar. Chorei até meus olhos e garganta doerem.
Ele pedia constantemente para morarmos juntos. Sempre recusei. Um dia quando eu estava em sua casa eu passeava pelo quarto enquanto ele tomava banho. Encontrei uma caixinha, abri e dentro estava um anel. Gravado no anel estava “Anne & Daniel”. Meu choque foi imediato. Senti Daniel atrás de mim, virei-me e ele olhava surpreso. Quando abriu a boca, vesti minhas roupas com pressa e pedi para ir para casa. Calado e confuso, levou-me. Quando chegamos, saí do carro ele segurou minhas mãos, soltei-me e corri para dentro de nossa casa, mas não consegui evitar que ele entrasse. A primeira coisa que ele viu era meu tormento diário, nossa foto, depois viu minha aliança em cima da mesa. Ele então correu para o quarto e abriu o armário. Viu suas roupas e seus olhos encheram d’água. Tentei explicar, mas eu chorava demais e, em meio aos meus soluços, ele abriu a carteira e jogou um papel dobrado em mim. Saiu abalado e falou para não seguí-lo. Reconheci a textura do papel, era uma fotografia da exposição. Lá estava eu, ajudando-o, sorrindo e acenando. E eu consegui arruinar tudo.

sábado, 29 de agosto de 2009

Ensaio de uma Carta de Amor I

Querido Bernardo,
Depois de tudo nem se deveria chamá-lo de querido. Talvez sim, mas acho injusto, afinal tem muito tempo que não ouço um “Querida Anne” seu.
A última carta que escrevi tem três anos, mas você não chegou a ler. Escrevi por causa daquela briga, nossa pior briga. Você foi realmente grosso comigo e eu disse algumas coisas que nunca deveriam ser ditas. Por aquela carta pedi desculpas sinceras, disse o quanto te amava, e ainda amo. Lorena diz que é um amor quase doentio, mas eu não ligo para o que ela diz. O motivo desta carta é uma dor muito forte que sinto. Pode chamá-la de culpa, mas não é exatamente isto. Eu preferia não ter que contar, mas fui aconselhada a isto por uma pessoa que logo irei apresentar pelas palavras duramente escritas aqui. Pretendo tirar um grande peso de meu coração.
Conheci Daniel há dois anos. Eu e sua irmã, Mariana, fomos a uma exposição. Eu estava um pouco abatida por causa de nosso relacionamento e ela queria me animar. Na exposição havia incríveis fotografias, coisas comuns tornaram-se grandiosas e todos se apaixonaram pelo trabalho do fotógrafo. E este era Daniel, ele dava aulas para o último ano da faculdade onde Mariana e Lorena estudavam. E elas esperavam a indicação para um estágio; Lorena não pôde ir, uma pena. Mariana conseguiu imediatamente um “bico”. Ficou ajudando na exposição e eu acabei me juntando a eles porque era muito trabalho para duas pessoas. Daniel foi extremamente amável conosco. Lembro de ele ter olhado minhas mãos à procura de aliança. Não encontrou. Desculpe não as estar usando, apenas pensava na minha mágoa.
A exposição durou três dias. Quase todas as fotografias foram vendidas, restaram apenas três. Elas foram distribuídas entre nós. Uma - que não estava na exposição e eu não vi - ficou com Daniel, outra ficou com Mariana e a favorita de Daniel ficou comigo.
A princípio fiquei encantada com seu jeito, mas não conseguia parar de pensar em você. Tão diferentes! Não apenas fisicamente, mas mentalmente também. A única coisa que tinha em comum foi um erro inicial de Daniel, gostar de mim. Ele pediu para sairmos, apenas nós dois. E, um pouco embaraçada, recusei. Saí apressada, Mariana despediu-se e fomos embora. No dia seguinte Lorena ligou, avisando que Mariana chamou-nos para sair à noite. Um pouco relutante, aceitei. Para minha surpresa, saímos Mariana, eu, Lorena e Daniel. Ele nos buscou de carro e fomos jantar fora. Foi estranho encontrar-me com ele depois do que houve, mas foi divertido. Começamos a sair sempre, parecíamos quatro crianças. Mas ao entrar em casa o sentimento de culpa vinha porque a primeira coisa que via ao abrir a porta era nossa foto no dia do casamento. O dia mais feliz de minha vida. Abracei a foto, respirei fundo e fiquei um pouco mais tranqüila.
Acordei pela manhã rolando para seu lado da cama para atender ao telefone. Era Daniel. Queria me encontrar para conversar. Fomos ao parque e ele estava com uma aparência abatida. Contou. Foi demitido da faculdade, Lorena e Mariana quase foram expulsas. Parece que denunciaram que ele estava assediando suas alunas. O que era uma grande mentira. Fiquei um pouco alterada, afinal isso era injusto. Muito calmo, ele disse que tentou explicar-se, mas nada adiantou. Segredou-me que seria impossível, já que quem desejava mal o olhava. Enrubesci na hora e ele percebeu. Para não complicar a situação das meninas elas pararam de sair conosco e, por um bom tempo, saíamos apenas nós dois. Conversávamos muito. Ele fazia várias perguntas e depois que percebeu que eu respondia vagamente, decidiu falar sobre si. Admito que no princípio prestei atenção, mas com o passar do tempo eu apenas conseguia notar como os lábios dele se mexiam pouco ao falar, como os olhos dele fechavam e suas covinhas apareciam quando sorria e como ele mexia as mãos quando estava nervoso ou triste.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Porque fois parte de mim e sempre serás

Dei-te todo o amor que tinha,
Mas não posso exigí-lo de volta.
Seria como esquecer-me de tudo,
Seria como esquecer-me de ti
E do amor mais doce que poderia querer.

Dei-te minha vida,
Mas não foi o bastante para ficares.
Sei que nosso tempo nos aguarda,
Sei que um dia nos veremos de novo
Por mais que demore para acontecer.

Dei-te minhas lágrimas,
Mas esta dor que rompe meu peito passará.
E se um dia eu pudesse ter a chance
De pedir algo ao Deus que levou-te,
Clamaria por teus olhos ver.

domingo, 23 de agosto de 2009

Sem título

Sua última lágrima derramada misturava-se às agitadas águas do mar. Sentiu-as a envolvendo em um eterno abraço mortal. Não pensava em agir, na verdade em nada pensava, não havia tempo. O tempo parava e a assombrava em dor, sua única ação era a de não agir. Sentia todos os sentimentos, sentia sua alma lavar, sentiu-se afogar. Não nessas águas, sentiu-se afogar em tristeza e solidão. Não havia como pedir socorro, não havia quem a socorresse, só havia conformação. Esqueceu-se que era humana, que podia errar e que tinha um coração. Coração que amava, coração que chorava e, agora, um coração que parava. Sentiu a morte beijar-lhe a face. Sentiu as águas em seu pulmão entrar. Sentiu todas as coisas no tempo de seu último pulsar.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Cheiro da Rosas

Todo dia de manhã ele sentia um cheiro gostoso quando saía de casa, era um cheiro diferente, eram rosas diferentes. Às vezes ele acordava mais cedo para ver a vizinha cuidar com tanto carinho de suas rosas coloridas. Quando o Sol a iluminava, sua pele parecia dourar, era um moreno bonito. Uma morena de olhos castanhos, cabelos castanhos, estatura média, peso médio. Completamente normal, igual a várias outras mulheres, mas ele via algo nela que não sabia explicar. Ele nunca soube dizer que a amava até o dia que acordou de manhã e não sentiu o cheiro das rosas. Ele se levantou e teve de chegar bem perto para sentir o cheiro. Era estranho, ela fazia com que o cheiros de suas rosas se espalhassem o quanto pudessem, ninguém nunca fez igual. Ela tinha uma certa doçura, uma delicadeza sem igual, mas agora ele não a via. Ela não estava ali. Mas não iria bater na porta, nem ao menos sabia seu nome. Sentiu falta dela por três dias, logo ela estava de volta. Passou-se uma semana e ela sumiu outra vez, aparecendo depois de uma semana. Ela foi sumindo e aparecendo. Um dia ele tomou coragem e foi à casa das rosas. Quem abriu foi uma linda menina, uns dez anos talvez, morena de cabelos compridos e olhos cansados. Ele perguntou pela senhora que cuidava das rosas. Então ela mandou-o entrar e esperar, não demorou muito e ela pareceu. Ela parecia cansada, sua pele morena ganhava um tom mais claro, parecia com pouca saúde, parecia que não era mais aquela de sempre. Ela sentou-se ao seu lado, olhou no fundo dos olhos e perguntou porque ele tinha demorado tanto. Então ele entendeu que ela sempre o notou e que também o amava em segredo. Ele pegou em sua mão macia, tão pequena e magra, e disse que ficaria tudo bem. "Estou aqui com você", ele disse três vezes enquanto ela chorava baixo no seu ombro. Ele olhou para a menina e compreendeu que o quanto as duas sofriam, chamou a pequena e os três se abraçaram. A pequena pedia "Calma, mamãe". Ele prometeu para ela e para si mesmo que não as abandonaria, mudou-se para a casa das rosas. Ela estava ensinando-o a cuidar delas. Maria. Maria estava ensinando, Maria era o nome dela. Ele aprendeu e agora ele sentia em si mesmo o cheiro das rosas, o cheiro da casa, o cheiro de Maria.
Maria viveu mais quatro meses. O cheiro das rosas mudou, parecia que elas estavam de luto. Não duraram muito. O cheiro das rosas viveu mais três semanas.

Kayla

Acordei com Kayla em meus braços. Ela parecia incrivelmente frágil, era tão branca e delicada. Fiquei um tempo admirando sua beleza, mas ela acordou e abriu aqueles profundos, grandiosos e tristes olhos azuis, retrubuía meu olhar encantado. Sim, ela me amava. Algumas pessoas diziam que eu deveria parar de dar tanto de mim à ela, mas Kayla estava doente e precisava de mim. Tinha medo de perdê-la. Muito medo.
Kayla esfregava a pontinha de seu nariz em minha orelha, fazendo-me rir com sua respiração ofegante. Ela estava magra e desanimada. Deixou-me de lado para enrolar-se em si mesma do outro lado da cama. Eu não podia agüentar vê-la assim. Fomos à clínica no centro. Ela foi internada, parecia que seu sofrimento não iria acabar. Ao final do segundo dia, ela roçou seu bigode em minha face, senti que sua respiração estava fraca, seu rabo não balançava mais e aqueles lindos olhos - que eu tanto amava - estavam fechando para nunca mais abrirem. Fiz carinho em sua nuca e disse que a amava, temo que ela nunca tenha escutado estas minhas últimas palavras tocarem suas orelhas, agora baixas e já sem vida. Kayla era muito mais que uma gata ou um animal de estimação. Estávamos juntos há quase onze anos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

(In)Certezas

Escrevo por escrever.
Não sei o porquê, nem conseguiria explicar.
Talvez porque goste de me esconder
Atrás de páginas sendo escritas
Por uma mão trêmula com medo de viver.
Mas talvez, apenas talvez,
Eu crie coragem e, antes de morrer,
Grite as palavras prisioneiras
De minha garganta sem voz.

Talvez eu escreva sem razão.
Sei que é mais que vaidade ou prazer,
É simples necessidade.
Escrevo porque não consigo parar.
Escrevo por escrever.